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Justiça
Tributária
Pagamentos
fraudulentos não servem para nada
Já
se tornou comum a tentativa de justificar rendimentos de origem ilícita com
alegadas receitas de consultoria ou assessoria empresarial, onde quase sempre as
partes (quem teria prestado os serviços e quem os contratara) usam argumentos
curiosos para justificar a operação.
Muitas
vezes ninguém sabe que tipo de consulta compõe a consultoria, não existem cópias
do parecer, não há forma de dimensionar o negócio e ninguém sabe quem são os
técnicos que nela atuaram. Tudo, é claro, deve ser sigiloso por força de
contrato. Quando as partes dão o nome de “assessoria”, também não está presente
qualquer indicativo de quais negócios foram objeto do serviço, quem assessorou,
como, quando, etc.
Quando
vemos essa pantomima toda, ficamos em dúvida sobre quem são os idiotas: quem
está tentando lavar o dinheiro ou os servidores públicos que se tornaram, de
repente, os piores cegos, que são aqueles que não querem
ver.
Qualquer
contador recém formado sabe que a legitimidade de uma despesa lançada na
contabilidade de uma empresa não se sustenta apenas porque uma nota fiscal foi
emitida e o imposto foi pago. Qualquer despesa só é admitida se for necessária à
atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora dos bens ou serviços por
ela gerados.
Se
houver algum fiscal que aceita uma despesa como comprovada apenas porque está
diante de uma nota fiscal ou fatura paga e contabilizada, cujo imposto foi pago,
ou se trata de um despreparado ou faz parte da lavanderia.
O
Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/1999) diz:
Art.
299 – São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias às
atividades da empresa e à manutenção da respectiva fonte
produtora.
§
1º - São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das
transações ou operações exigidas pela atividade da
empresa.
§
2º - As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de
transações, operações ou atividades da empresa.
Já
o artigo 304 do mesmo regulamento afirma:
“Art.
304 - Não são dedutíveis as importâncias declaradas como pagas ou creditadas a
título de comissões, bonificações ou semelhantes, quando não for indicada a
operação ou a causa que deu origem ao rendimento e quando o comprovante do
pagamento não individualizar o beneficiário do
rendimento.”
O
Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda tem decidido no seguinte
sentido:
“PROVA
DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
– Nos pagamentos por serviços prestados é indispensável a comprovação da
necessidade e efetiva realização dos mesmos.” (Acórdão nº 105-3.818/89 in Diário
Oficial de 14/09/90).
“DESPESAS
DEDUTÍVEIS
– Para se comprovar uma despesa, de modo a torná-la dedutível, face à legislação
do imposto de renda, não basta comprovar que ela foi assumida e que houve
desembolso. É indispensável, principalmente, comprovar que o dispêndio
corresponde à contrapartida de algo recebido e que, por isso mesmo, torna o
pagamento devido.” (Acórdão nº 103-11.731 de 05/11/91, DOU de
28/03/96).
“SERVIÇOS
DO CONSULTORIA
– Para que as despesas sejam dedutíveis não basta comprovar que foram
contratadas, assumidas e pagas. É necessário, principalmente, comprovar que
correspondem a bens ou serviços efetivamente recebidos e que os mesmos eram
necessários, normais e usuais na atividade da empresa. (Acórdão 101-84.454 ,
DOU 5/8/94).
O
lançamento de suposta “consultoria” ou mesmo “assessoria empresarial” na
contabilidade da empresa e sua dedução como despesa operacional depende, como a
lei determina, de provas robustas de que os serviços foram prestados e são
usuais na atividade de quem os contratou.
Tais
serviços , pela sua própria natureza, não podem ser prestados por leigos, por
pessoas que não possuam formação acadêmica compatível com o serviço que dizem
prestar. Assim, se uma empresa formada por um veterinário e um filósofo, por
exemplo, presta serviço de consultoria tributária, a despesa não pode ser
admitida, ainda que ambos tenham eventualmente exercido alguma função no serviço
público que se relacione com tributos.
Qualquer
serviço de consultoria ou assessoria deve ser comprovado através de relatórios,
documentos, demonstrativos ou provas técnicas adequadas.
Por
exemplo: uma empresa de engenharia legalmente habilitada pode vender serviços de
consultoria relacionados com exames de estruturas de um edifício que se pretenda
reformar para futura venda (“retrofit”). Ou ainda: empresa dedicada a pesquisas
geológicas pode fornecer consultoria para a localização de jazidas minerais e
avaliação de seu potencial produtivo para fins
econômicos.
Serviço
de consultoria ou assessoria não é algo indefinido.
Devem estar presentes o objeto da consulta, a especialização do consultor, a
finalidade do serviço e principalmente a necessidade do tomador do serviço. Sem
tais condições o fisco pode e deve glosar a despesa, além de poder considerar a
operação como suspeita de ato ilícito.
Quando
procuramos obter justiça tributária somos obrigados a não aceitar procedimentos
ilícitos de terceiros que possam causar prejuízos ao erário. Se alguém por ai
anda fraudando o fisco, deve ser punido, especialmente pagando o tributo e seus
acréscimos, devolvendo ao poder público aquilo que de forma ilegal se apropriou.
Não
existirá justiça tributária enquanto não se respeitar o princípio da isonomia.
Mas antes de chegarmos a isso temos um longo caminho a percorrer que começa pela
redução da carta tributária.
De
qualquer forma, a sociedade não pode aceitar essa história ridícula de que
alguém pode obter ganhos expressivos fornecendo consultorias ou assessorias que
se resumem a uma folha de papel. Nós, o povo, não somos totalmente idiotas. Um
pouco, talvez, mas não totalmente.
Raul
Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista
Consultor
Jurídico, 21 de maio de 2012
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