Simone Pessoa. Dissertação não é bicho-papão: desmistificando monografias, teses e escritos acadêmicos. Rio de Janeiro: Rocco, 2005 (157p.)
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O caminho das pedras!
Por que será que determinados indivíduos sofrem tanto diante do desafio de escrever a monografia, dissertação e/ou teses? Será que a recompensa só é merecida se houver sofrimento? Por que este esgotamento psíquico e até mesmo, em certos casos, o dilaceramento pessoal e das relações conjugais? Por que tanta angústia para fazer o que, afinal, foi uma opção do indivíduo? Mas terá sido mesmo uma opção? Ou ele foi pressionado pelas circunstâncias de um campo acadêmico cada vez mais competitivo? De qualquer forma, se tem que ser feito, por que não fazê-lo da maneira mais prazerosa possível?
Não existem respostas fáceis, pois é próprio de cada indivíduo reagir aos desafios e dilemas de uma maneira muito particular. E isto também está vinculado às diferentes histórias de vida e às atitudes tomadas no cotidiano. O que parece fácil para uns, pode se revelar extremamente difícil para outros; o que é doloroso em determinados casos, pode se revelar prazeroso em outros. Os indivíduos, enfim, reagem diferentemente às situações concretas – eles podem, por exemplo, ter o texto na cabeça, mas terem dificuldades para concretizá-lo.
Não há receita a ser seguida que garanta o sucesso nesta empreitada, mas há experiências que, compartilhadas, podem contribuir para que, ao menos, os candidatos a esta caminhada não tropecem em pedras que outros já perceberam. Trata-se, portanto, de conhecer minimamente o caminho a ser seguido e as armadilhas que podem ser encontradas em seu percurso.
É esta a contribuição que Simone Pessoa oferece ao leitor de “Dissertação não é bicho-papão: desmistificando monografias, teses e escritos acadêmicos” (Rio de Janeiro: Rocco, 2005). Seu objetivo é ajudar os acadêmicos envolvidos com a elaboração de textos com este caráter. Ela parte da sua experiência como mestranda em administração e, numa linguagem simples, clara e bem-humorada, fornece um roteiro prático aos que se empenham na tarefa de escrever seus trabalhos monográficos. Não se trata de um manual de normas e padrões exigidos para os textos acadêmicos, mas sim de um relato que sintetiza a vivência da autora.
O livro é organizado em capítulos curtos, abarcando todos os procedimentos: da opção por fazer o mestrado à escolha da banca para a defesa do título. Em seu percurso, a autora trata de temas como a importância da família para o bom andamento do trabalho (ela afirma, por exemplo, que a decisão deve ser compartilhada, discutida e formalizada numa espécie de contrato familiar – chega a fornecer um modelo de contrato). Talvez esta perspectiva contratualista soe estranha e excessiva , mas, sem sombra de dúvida, a família é um fator essencial que influencia o indivíduo em seu mestrado, doutorado ou mesmo numa monografia de conclusão de curso. A vitória pode representar uma derrota, se esta tiver a família como vítima e for o preço a pagar.
Simone Pessoa contribui ainda para a reflexão de outras questões que envolvem este processo, como: o tempo e o uso adequado do mesmo; a escolha do tema; a delimitação e definição do “ponto de partida” (ela recusa o termo “problematização”); a escolha do orientador (fundamental para o desenvolvimento do trabalho); a seleção e leitura da bibliografia; a elaboração do texto e a preparação para a qualificação; a indicação dos membros da banca etc. A cada tema que apresenta, ela brinda o leitor com um depoimento sobre a sua experiência – o que também dá ao livro um certo caráter intimista. Isto é positivo, na medida em que o aproxima dos leitores; em certo sentido, a autora investe na cumplicidade com o seu leitor em potencial. A leitura flui naturalmente. E o leitor ainda se delicia com as ilustrações bem-humoradas de Fábio Monteiro Corrêa, as quais abrem cada capítulo e também contribuem para uma leitura prazerosa.
No final, a autora oferece aos leitores depoimentos das professoras que integraram a sua banca de defesa do mestrado. São reflexões que revelam o quanto é fundamental a relação orientando-orientador e também indicam fatores que podem contribuir para o bom andamento da pesquisa e execução do projeto.
A abordagem da autora é reflexiva e comportamental. Seu estilo de escrita fácil e atraente tem o mérito de simplificar as coisas consideradas complexas e, neste sentido, se diferencia dos livros que têm a pretensão de “ensinar” a escrever trabalhos acadêmicos normatizados. Não obstante, o livro se propõe a ser um suporte de auto-ajuda que facilite a elaboração de textos universitários; tem, ainda, o objetivo de auxiliar docentes da área de metodologia científica e orientadores.
O livro agrada pelo que apresenta e talvez seja injusto cobrar o que ele não se propõe. Contudo, as ausências também dizem muito sobre o que lemos e vemos. Em outras palavras, “Dissertação não é bicho-papão: desmistificando monografias, teses e escritos acadêmicos” não desmistifica o processo porque o trata do ponto de vista técnico e comportamental. E isto é insuficiente ao leitor que também tem a expectativa de uma reflexão sobre os fatores sociais e políticos que envolvem o campo acadêmico. O indivíduo não está solto no ar e mesmo a sua opção de fazer ou não o mestrado, por exemplo, não é tão livre como parece; aliás, este dilema, de optar ou não, nem se coloca para a maioria dos indivíduos. Falta no livro uma análise que insira o indivíduo no contexto social em que ele vive: Brasil, região, classe social, etc.
A perspectiva comportamental individualista da autora, no sentido de que seu enfoque é o indivíduo e sua atitude diante do objeto de trabalho, também passa ao largo de uma análise crítica do campo acadêmico, desde os processos de taylorização intelectual, a exacerbação da competição e exigência de produtividade e até de dilemas que antecedem o ingresso do mestrando. A autora trabalha com uma situação dada, daquele que já está envolvido com o trabalho acadêmico, ou como se bastasse ao mesmo optar por fazer o mestrado. Mas para além das dificuldades encontradas pelo mestrando, há o momento anterior, o que exclui a maioria dos que potencialmente poderiam fazer, por exemplo, mestrado.
Talvez este olhar crítico seja determinado pelas experiências e formações acadêmicas diferenciadas. Não obstante, ele indica respeito à autora e à sua obra, pois se coloca numa perspectiva dialógica. O leitor que não dialoga com o que lê ou não tem senso crítico ou o objeto de leitura não o merece. Não é este o caso de “Dissertação não é bicho-papão: desmistificando monografias, teses e escritos acadêmicos”, de Simone Pessoa. Mesmo a crítica não retira o mérito da obra naquilo que ela se propôs. Vale a pena ler...
Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/059/59res_ozai.htm
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