Não tremas. Eu não te vou prender, não te vou perseguir, não te vou enfeitiçar. És inteiramente livre.Poderia eu querer-te preso, mesmo a mim, depois do que para mim foste? Se eu te prendesse, ainda que com laços de imenso amor, a que tu próprio não quizesses fugir, que alegria seria a tua nos meus braços, ou a minha nos teus? Amar-me-ias por certo com uma violência maior, como se quizesses matar-me com as tuas armas de homem, e eu tiraria um prazer dobrado. Mas depois... depois como poderia eu olhar-te nos olhos, vendo neles um rancor horrível de estares preso a mim, rancor que nem tu confessarias a ti mesmo, mas que os teus olhos me diriam para sempre, a cada hora, mesmo quando ardessem no desejo ou no acto de estares em mim?Então ele recostou na anca dela a cabeça e, de olhos fechados, ficou assim demoradamente, sem pensar em nada, sem sentir nada, apenas dado ao calor que o penetrava suavemente e era só ternura. No sono que o envolvia como um cansaço feliz, a sua ama, com a voz dela, cantava-lhe um velho cantar que, pouco a pouco, foi deixando de ouvir, na deriva em que se afastava de tudo e de si mesmo, com a sensação de que não estava só na barca que descia o rio. E a segurança que jamais estaria só, nunca, nunca, em parte nenhuma.
Jorge de Sena ( O Físico prodigioso)
Jorge de Sena ( O Físico prodigioso)
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